sábado, 25 de outubro de 2008

A volta da filosofia

UMA EDUCAÇÃO PARA A ORDEM

Uilson Linck[1]

Resumo:


Este artigo trata de algumas considerações sobre a educação brasileira no período da ditadura militar (1964-85). Os temas abordados discorrem sobre a racionalidade humana que constrói cultura através do trabalho. Questionamentos a partir da filosofia da educação sobre uma educação tecnicista voltada apenas para formação de mão-de-obra alienada. Sendo que a culminância do texto acontece na reflexão sobre o papel da Educação Moral e Cívica na formação do ideário militar. Explorando uma idéia básica: Como falar de democracia em uma ditadura militar?




Palavras chave: Ditadura militar, educação, tecnicista, educação moral e cívica, democracia e liberdade.





Nas leituras de livros sobre o famoso (aos que digam fatídico e outros glorioso) ano de 1964 vamos nos deparar muitas vezes com a palavra revolução. Eu particularmente ao ler revolução lembrei-me de um livro de George Orwell, A Revolução dos Bichos, uma metáfora da condição humana que denuncia os caminhos distorcidos do poder ilimitado. Em outras palavras uma fábula que crítica, todo tipo de totalitarismo. No inicio do livro quando é preparada a revolução um porco intelectual faz uma analise da condição em que viviam os animais. “Não está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na tirania dos seres humanos? Basta que nos livremos do homem para que o produto de nosso trabalho seja somente nosso. Praticamente da noite para o dia, poderíamos nos tornar ricos e livres(...)camaradas: revolução[2]. A revolução acontece, os animais tomam a fazenda e com o passar dos anos os porcos assumem o poder auxiliados pelos cachorros e estes tiranizam de forma mais cruel do que os humanos. A intenção aqui não é discutir revoluções mas, iniciar uma reflexão sobre a condição humana. Vamos traçar alguns parâmetros sobre o homem sua educação, sobre o Brasil no período de 1964-1985, sem a pretensão de rigorismo histórico. Como objetivo final fica a intenção de analisar como que um regime político totalitarista mas que se dizia revolucionário trabalhava com seus alunos a idéia de liberdade e democracia. Haja visto que o golpe intitulava-se democrático. “A republica sucedeu-se à solução monárquica tão logo cumprido o objetivo prioritário de consolidar a unidade nacional. Os movimentos e agitações do período republicano sempre tiveram por principio, ou pretexto, preservar as liberdades e, em 1964, ameaçado por totalitarismo alienígena, o Brasil inteiro levantou-se em nome da fé democrática.”[3] Também vão permear temáticas como povo, comunismo e educação tecnicista.

Os alunos quando instigados a darem uma definição de homem quase que automaticamente respondem: ser racional. O positivismo fez bem e continua fazendo seu papel. No entanto, vale a pena lembrarmos do nosso lado irracional, aqui definido como animal. A atividade animal é determinada por condições biológicas caracterizada, sobretudo, para reflexos e instintos. Trata-se de um tipo de inteligência concreta, distinguindo-se da inteligência humana, que é abstrata.

Lógico que ninguém seria louco de esquecer o nosso lado racional.O homem representa o mundo por meio do pensamento, expressando-o pela linguagem simbólica. De fato, a linguagem substitui as coisas por símbolos, com palavras por exemplo.A transformação que o homem exerce sobre a natureza chama-se cultura, entretanto, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros.

A noção de trabalho é fundamental para se compreender o que é cultura. Aliás, o trabalho é condição de liberdade, mas não em situações de exploração em que a maioria é obrigada a trabalhar em condições inadequadas à sua humanização. Isto é, na sociedade dividida em classes, o trabalho se torna alienado. Alienar, portanto, é tornar alheio, é transferir para outrem o que é seu. Quem produz este trabalho alienado também é quem educa para ele. A educação brasileira no período de 64-85 contribuiu muito para a alienação de seu povo, quando tirou dos bancos escolares as disciplinas humanistas. Não há a intenção de desmerecer o trabalho, o que estamos questionado e uma educação voltada para o trabalho. “A qualificação para o trabalho passou a se constituir numa das metas básicas da educação nacional.”[4] Por meio do trabalho o homem instaura relações sociais, cria modelos de comportamento, instituições e saberes. O aperfeiçoamento dessas atividades, no entanto, só é possível pela transmissão dos conhecimentos adquiridos através das gerações. É a educação que mantém viva a memória de um povo e dá condições para a sua sobrevivência. Podemos nos perguntar se esta assertiva e correta, já que vivemos em um mundo onde tudo parece tão efêmero, onde nossa noção de historia ainda esta muito permeada pelo pensamento positivista.





1. Filosofia e educação



Todos os povos têm uma educação transmitida muitas vezes de maneira espontânea. Diante disso, cabe ao filósofo acompanhar, reflexiva e criticamente a ação pedagógica de modo a promover a passagem dessa educação guiada pelo senso comum para uma educação sistematizada.

O filósofo norte-americano John Dewey coloca com essência de toda filosofia a filosofia da educação, pois ela nos ajuda a estudar como construir o mundo. Este pequeno pensamento nos remete ao seguinte questionamento. Porque mesmo a filosofia deve participar da educação?
“A Filosofia, como reflexão radical sobre todos os domínios da existência humana, coloca primeiro, no que concerne à educação, estas questões fundamentais: o homem necessita ser educado? Pode ser educado? O que é a educação? Educação pode ser instrumento de libertação do homem?”[5]

A filosofia deve participar da educação porque ela propõe uma reflexão sobre questões fundamentais. Sem filosofia a educação seria opressora e sem fundamentos.

A filosofia da educação tem um lugar bem demarcado, não se confundindo com as ciências que ajudam a compreensão dos problemas relativos à educação. Não se confunde com os conhecimentos científicos, técnicos e métodos de educação. Então, qual é o papel da filosofia da educação?

A filosofia da educação deve superar o simplismo que muitas vezes ela mesma alimenta. Vários educadores filósofos colocam como missão o “pensar sobre”. Encarnam como missão divina, dada aos filósofos, quebrar o domínio da razão instrumental. O objetivo aqui não é colocar a filosofia acima de todas as ciências humanas, nem tampouco elege-la como detentora de todas as verdades educacionais. A formação de um filósofo pede que ele vá além do practicismo utilitarista, mas não lhe dá o direito de olhar de cima de um pedestal na arrogância de ser o único a poder desvelar o mundo. Podemos também afirmar que em um período onde a filosofia da educação relegada ou usada para distorcer os fatos, a educação em si perde seus reais objetivos. No período militar quando Paulo Freire é exilado suas idéias deixam de produzir frutos no Brasil e conquistam o mundo.

A filosofia da educação desempenha papel importante para denunciar as formas ideológicas, graças ao seu poder de questionamento do que seja educação, não permitindo que a pedagogia se torne dogmática, nem que a educação se transforme em adestramento. Educação e liberdade são inseparáveis. A educação autêntica só pode ser a educação para a liberdade.
A partir desses conceitos, podemos ver as dificuldades que surgem diante de uma proposta coerente de educação para a liberdade, afinal, educar é dar condições para que o educando se encontre e faça seu caminho. Um pouco destoante do conceito de educação apregoado pelo regime militar “ Educar é formar o homem bom (caráter moral) e sadio e dele, o homem social – o bom cidadão e o bom profissional da democracia humanista brasileira (com Deus).”[6] Pode até parecer bonito, mas a tradução ao conceito de educação no período seria: um homem que fica calado e trabalha esta vivendo o humanismo e Deus o esta abençoando.




2. A educação no Brasil durante a ditadura militar


Alguma coisa acontecia na educação brasileira. Pensava-se em erradicar definitivamente o analfabetismo através de um programa nacional, levando-se em conta as diferenças sociais, econômicas e culturais de cada região.

A criação da Universidade de Brasília, em 1961, permitiu vislumbrar uma nova proposta universitária, com o planejamento, inclusive, do fim do exame vestibular, valendo, para o ingresso na Universidade, o rendimento do aluno durante o curso de 2o grau. Seria o ENEM?

O período anterior, de 1946 ao princípio do ano de 1964, talvez tenha sido o mais fértil da história da educação brasileira. Neste período atuaram educadores que deixaram seus nomes na história da educação por suas realizações. Neste período atuaram educadores do porte de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Carneiro Leão, Armando Hildebrand, Pachoal Leme, Paulo Freire, Lauro de Oliveira Lima, Durmeval Trigueiro, entre outros.
“Daí a necessidade de se montar um sistema educacional baseado em conceitos cuidadosamente elaborados de educação e cultura. O materialismo, o agnosticismo, o marxismo e outras ideologias têm penetrado facilmente nos sistemas educacionais do ocidente e produzido grande numero de sociólogos de esquerda, que vêm inundando nossas escolas de trabalhos e livros que tentam encaminhar a cultura e a educação para um caminho onde o fator espírito não tem mais lugar.” [7]


Depois do golpe militar de 1964 muito educadores passaram a ser perseguidos em função de posicionamentos ideológicos. Muito foram calados para sempre, alguns outros se exilaram, outros se recolheram a vida privada e outros, demitidos, trocaram de função.
O Regime Militar espelhou na educação o caráter anti-democrático de sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; estudantes foram presos, feridos, nos confronto com a polícia, e alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar.
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 4.024, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante. Dentro do espírito dos "slogans" propostos pelo governo, como "Brasil grande", "ame-o ou deixe-o", "milagre econômico", etc., planejava-se fazer com que a educação contribuísse, de forma decisiva, para o aumento da produção brasileira. Parte-se para uma de orientação na busca de resultados práticos, tecnicista.


2.1 Uma Escola de Orientação Tecnicista

A escola tradicional no século XX tem sofrido inúmeras críticas de enfoques diversificados. Entre essas, a partir da década de 60, surgem propostas de inspiração tecnicista, baseadas na convicção de que a escola só se tornaria mais eficaz caso adotasse o modelo empresarial. No modelo citado, há uma nítida preocupação com a transmissão do saber científico exigido pela moderna tecnologia.

A Pedagogia liberal tecnicista aparece nos Estados Unidos na segunda metade do século XX e é introduzida no Brasil entre 1960 e 1970. Nessa concepção, o homem é considerado um produto do meio. É uma conseqüência das forças existentes em seu ambiente. A consciência do homem é formada nas relações acidentais que ele estabelece com o meio ou controlada cientificamente através da educação.

Na Pedagogia Tecnicista, o aluno e o professor ocupam uma posição secundária, porque, o elemento principal é o sistema técnico de organização da aula e do curso: Orientados por uma concepção mais mecanicista, os professores brasileiros entendiam seus planejamentos e planos de aulas centrados apenas nos objetivos que eram operacionalizados de forma minuciosa visando o estimulo-resposta. Faz parte ainda desse contexto tecnicista o uso abundante de recursos tecnológicos e audiovisuais(hoje ainda achamos que uma aula bem dada é aquela que faz uso do PowerPoint), sugerindo uma modernização do ensino.A educação atua, assim, no aperfeiçoamento da ordem social vigente (o sistema capitalista), articulando-se diretamente com o sistema produtivo; para tanto emprega a ciência da mudança de comportamento, ou seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos competentes para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações precisas, objetivas e rápidas. A prática escolar nessa pedagogia tem como função especial adequar o sistema educacional com a proposta econômica e política do regime militar, preparando, dessa forma, mão-de-obra para ser aproveitada pelo mercado de trabalho. Aplica-se uma visão empresarial na educação. “ A educação desenvolve a capacidade de produção. O mais prático sistema empresarial para o estado moderno é um bom sistema de educação.”[8] Pg 17



2.2 A Educação Doutrinária do Regime Militar



“Nos regimes autoritários, contudo, não há uma ideologia de base que sirva ‘para construção de uma nova sociedade’ e não há mobilização popular que lhes dê suporte... há a despolitização que leva a apatia política. O clima de repressão violenta gera o medo, que desestimula a ação política atuante. Permanece, sempre que possível, a aparência de democracia; pode haver vários partidos, e mesmo a oposição formal. O partido do governo é um mero apêndice do poder executivo. O governo autoritário pode também utilizar os militares na burocracia estatal, e a elite econômica tem, nos postos chaves, oficiais das forças armadas. Os militares saem da caserna para se tornarem a instituição política mais importante da nação. Foi o que aconteceu por ocasião do golpe militar de 1964 que impôs durante duas décadas o regime autoritário no Brasil.” [9]


Tivemos no Brasil, durante a ditadura militar, um exemplo de educação moral nas escolas realizada de forma doutrinária . As disciplinas Educação Moral e Cívica ou Estudos dos Problemas Brasileiros eram consideradas matérias específicas e por intermédio delas professores especialistas deveriam passar certos valores assumidos como fundamentais. Essas disciplinas foram estruturadas pelo decreto-lei de 1969 com a clara finalidade de controlar a "desordem social" vista como causadora dos malefícios da sociedade brasileira. Valores como o nacionalismo, visto como o amor à pátria e aos seus governantes para o alcance do progresso geral, foram colocados como fins de toda a educação. São exemplos de trechos do decreto de 1969:
Art 1º É instituída, em caráter obrigatório, como disciplina e, também, como prática educativa, a e Cívica, nas estolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País.
Art 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade:
a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus;
b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valôres espirituais e éticos da nacionalidade;
c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana;
d) a culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua historia;
e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade;
f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-ecônomica do País;
g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum;
h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.[10]

Nesse mesmo decreto estabelecia-se a obrigatoriedade de todas as escolas terem um professor dessas matérias e, caso não houvesse um, o diretor da escola deveria responsabilizar-se por ela. Um professor que era diretor de escola no período relatou a sua escolha na época. Já que era obrigatório, escolheu o professor mais critico de sua escola. O professor escolhido no ato levantou esta faceta dizendo “mas eu não vou seguir a cartilha” ao que o diretor da escola responde dizendo: “foi justamente por isso que lhe escolhi, tenho certeza que você não vai contribuir para o sistema.” Neste período também é criada a Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC), integrada por nove membros escolhidos pelo presidente da República, que tinha como funções básicas: verificar a implantação e manutenção da doutrina de Educação Moral e Cívica nas escolas; colaborar na elaboração do currículo para essa disciplina; influenciar e convocar a cooperação das instituições e órgãos formadores da opinião pública (difusão cultural, jornais, revistas, teatros cinemas, estações de rádio e televisão...) para servir aos objetivos da Educação Moral e Cívica; assessorar o Ministério da Educação na aprovação de livros didáticos, etc. Na verdade era uma censura em nome do grande Brasil do amanhã. Como sabemos nunca chegou o amanhã glorioso que somente os militares vislumbravam.

Sabemos que valores impostos por uma autoridade são aceitos por temor enquanto perdurar o controle dessa autoridade e deixam de ser assumidos como valores no momento em que a força do controle é enfraquecida. Os valores para serem seguidos devem ser construídos de forma democrática e participativa.Todos os que assistiram às aulas de Educação Moral e Cívica, sabem o quanto essas disciplinas pareciam artificiais, demagógicas. Tornaram-se alvo de desprezo a ponto do termo Educação Moral se tornar algo pejorativo no Brasil . Não é raro, a confusão de moral com moralismo.
A reforma do então Segundo Grau (hoje Ensino Médio) empreendida em 1971, sob o governo Médici. A principal mudança dessa reforma foi a obrigatoriedade do ensino profissionalizante no Segundo Grau. Todo aluno só podia concluir este nível de ensino depois de optar por uma habilitação técnica ou de auxiliar técnico. Pretendia-se com isso que o crescimento econômico do país absorvesse imediatamente trabalhadores técnicos das mais diversas áreas. A estratégia uniria o útil ao agradável: impulsionar a economia e esvaziar a opção acadêmica. Enquanto técnicos de nível médio teriam emprego praticamente assegurado, o governo temia a desocupação dos graduados.Porque, segundo o governo, “Esse processo é praticado geralmente por um grupo minoritário, mas tenazmente atuante, fanático e intelectualizado. O campo de ação desses grupos é o mais variado possível: greves operárias, associações de camponeses, manifestações populares, movimentos intelectuais ou artísticos, comícios políticos, lutas partidárias, reformas da Igreja, terrorismo urbano, luta armada no campo, sabotagem, atentados e outros.”[11] Os agitadores da ordem são os em sua grande maioria os intelectuais formados pelas universidades. Precisavam doutrinar os universitários. No entanto para educação superior se faz necessária uma doutrinação mais consistente, que é os Estudos dos Problemas Brasileiros. A educação passa a ser vista, de modo curto e grosso, como preparação de mão-de-obra para o trabalho. Não para o livre pensar, não para o aprimoramento intelectual, não para a autonomia cidadã. Nada disso combina com a ditadura. A escola de segundo grau era uma fábrica de trabalhadores.

Isto implicou em três reducionismos graves: a Educação Básica e Média não mais entendida como direito básico de formação do cidadão; no lugar da valorização do conhecimento, a profissionalização compulsória, o adestramento rápido, o treinamento; e por fim o reducionismo do sentido da Educação como um todo: de prática social a uma mera técnica formadora de “capital humano”. Assim era a educação voltada para o “milagre econômico”, para o projeto de um “Brasil gigante”.
Não vamos analisar todos as temáticas que de alguma forma eram trabalhadas na educação no período militar. O ponto que chama a atenção e pode ser traduzido na seguinte pergunta é: Como que um grupo que assumiu o poder em uma pretensa revolução, exercendo-o de forma autoritária, lidava com a democracia? Sabemos que a doutrinação acontecia mediante o uso de duas disciplinas, Educação Moral e Cívica e Estudo dos Problemas Brasileiros. As referidas disciplinas seguiam diretrizes que acordavam com as idéias e os ideais militares. Como falamos acima estas idéias sempre mostravam um país em situação de total progresso. “ Grande parte da população brasileira já percebe o encaminhamento de nosso país para o seu papel de grande potência mundial, pois está em constante aperfeiçoamento econômico, político e social, como uma das raras ‘ilhas de tranqüilidade’ do mundo moderno.”[12] As questões eram embebidas de um ufanismo e de um nacionalismo exacerbado, que nem sempre condizia com a real situação.

A ditadura militar liquidara o conceito de democracia e liberdade individual do País. Como um movimento político retrógrado e autoritário, ela prendeu, torturou, executou, cassou parlamentares, juizes e professores, instalou aparelhos como a censura, e uma mídia tendenciosa e alienante, que veiculava as ideologias do regime face à degradação de ideais comunistas mostrados como ameaça para a saúde do Estado e da ordem pública.

“ Como é sabido que as massas não iniciam revoluções, mas sim os indivíduos devidamente treinados, procura-se os elementos ativos da população para serem convencidos da causa revolucionaria, após o que são enquadrados, instruídos e aplicados. São preparados líderes, propagandistas e outros especialistas, que são distribuídos em organizações dirigidas por comunistas profissionais. A esse respeito declara o curso de lideres democráticos da sociedade de estudos internacionais: ‘O comunista deve dar provas de que é capaz de seguir, sem hesitações, as constantes modificações da doutrina, da estratégia e da tática, e, igualmente, ter demonstrado sempre o mais absoluto desprezo pelos princípios morais e espirituais da civilização ocidental.”[13]



A proposta do golpe militar se baseava, principalmente, na manutenção da ordem e fomento do progresso, como sendo os compromissos de um regime que apresentava uma falsa idéia de calma, tranqüilidade e seguridade social.

No sistema educacional, as conseqüências do regime se vêem até hoje: degradação do estudo de Humanidades, face à ênfase exagerada sobre as competências e disciplinas que levariam o "Brasil, país do futuro" ao desenvolvimento tecnológico; aumento da oferta de cursos profissionalizantes que garantissem formação para as classes mais baixas. A divulgação das ideologias governistas através do estudo de OSPB (Organização Social e Política do Brasil), Educação Moral e Cívica, que visavam a pôr o cidadão "a par" do conhecimento dos símbolos nacionais e positivismos brasileiros, nesta instância o "ordem e progresso" era mais visado que nunca; limitação das publicações, que passavam pelo crivo dos órgãos de censura – livros considerados comunistas eram deliberadamente impedidos de serem publicados. A escola funcionaria mais do que nunca como um aparelho ideológico e aqueles 20 anos em que se geraria uma consciência crítica no cidadão, entendida como sendo um dos papéis principais da educação, passaram a figurar como sendo os anos do Ensino Tecnicista, em que a força de expressão e liberdade de pensamento eram reprimidos por uma máquina de fazer máquinas.

Para se justificar a ausência de um regime democrático procurava-se denegrir a democracia como tal. Isto era feito com resgates históricos ora frisando a falta de preparo do povo brasileiro, ora colocando-a como demagogia dos comunistas.

“Os problemas políticos da nossa vacilante democracia:

a) A democracia é a forma de governo que depende do pronunciamento político do povo. Como sempre foi restrita a cultura popular, com analfabetismo que chegou a ser da ordem de 70% e fácil imaginar os desencontros entre o povo e as elites dirigentes.
b) Adotando o sistema representativo, a republica tinha que contar com o voto. Sendo o eleitor, em grande maioria, pouco mais do que alfabetizado, sempre foi fácil escamotear-lhe o sufrágio, com engodos e ditos de efeito.
c) Alem de pouco consciente do valor do voto, o eleitor brasileiro sempre lutou com restrições econômicas. Foi fácil assim iludi-lo com promessas de dinheiro, vantagens ou cargos para ele ou parentes.
d) Pior do que pouca cultura do eleitorado tem sido a falta de escrúpulo de certos candidatos e lideres populares, que, confundindo a massa operária, a tem jogado contra os autênticos valores morais e culturais.
e) Os quadros políticos brasileiros, seja por reflexo de generalizada falta de apreço pelo voto, seja pela contingência do baixo índice cultural, nunca foram inteiramente dirigido por uma consciência lúcida da exigências do progresso econômico e pelo exemplo de outras nações. As deficiências dessas lideranças refletiram-se na administração nacional, principalmente nos setores econômico-financeiro, fiscal e educacional.
f) A ruptura da ordem legal sempre foi conseqüência dos erros, da ambição e da impotência da classe civil, quando não da demagogia e da corrupção. Ao exercito e à marinha, antes, e, depois, ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica foram reservados, como responsáveis pela ordem e pela sobrevivência do Estado, os encargos de reposição do país não apenas na trilha do lema expresso no pavilhão nacional, como na normalidade constitucional.”[14]


O mesmo autor que coloca os problemas da democracia propõe uma solução. Hoje ela nos parece a mais irônica possível , imagino que deveria ser também na época . Os militares na maior desfaçatez colocam como premissas básicas o humanismo e a responsabilidade dos partidos políticos. É irônico porque pessoas eram torturadas em nome do humanismo e os partidos políticos foram extintos ou reduzidos ao MDB e a ARENA.

Como uma consideração final ficam os esforços para reestruturar o currículo da educação básica brasileira. O conselho nacional de educação determina que até 2008 todas as escolas, publicas ou privadas deverão oferecer no currículo aulas de sociologia e filosofia. Educadores, filósofos, sociólogos(inclusive eu) ficaram entusiasmados com a retomada do papel destas matérias. Foram 40 anos de descaso com as mesmas, principalmente, como já citado acima, durante a ditadura militar. Ditadura esta que direcionou o ensino para lições pragmáticas, voltadas ao mercado de trabalho num país onde se profetizava o milagre econômico. Filosofia e sociologia foram banidas do currículo porque elas serviam como ambiente para resistência ao regime. As mesmas foram substituídas por Educação Moral e cívica e Estudo dos problemas brasileiros. Hoje os educandos tem acesso a uma gama extraordinária de conhecimentos, estas disciplinas terão a função de orientar para seleção destes conhecimentos. A convivência com o pensamento dos grandes filósofos pode proporcionar o acesso ao pensamento critico. As reflexões do passado podem permear o futuro e fazer nossa juventude perceber que ninguém esta isolado nem mesmo em suas preocupações. Fica também o alerta feito pelo professor Álvaro Valls, da Unisinos. “Que não seja outra vez Educação Moral e Cívica”.









3.Referências Bibliográficas

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. 6.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996.
CAMARGO, Enjolras José de Castro. Estudo dos problemas brasileiros. São Paulo: Atlas, 1982.
CARVALHO, Delgado de. Organização social e política brasileira. Rio de janeiro: RECORD, 1971.
CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. São Paulo. Ática,2003.
COTRIN, Gilberto e PARISI, Mário. Fundamentos da Educação: história e filosofia da educação. São Paulo: Saraiva, 1986.
GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
LUCCI, Elian Alabi. Trábalo dirigido de organização social e política do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1979.
JAPIASSU, Hilton Ferreira. Introdução as ciências humanas. São Paulo: Letras&Letras, 2002.
MENDONÇA, Eduardo Prado de. O mundo precisa de filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1988.
PALERMO, Alfredo. Estudo dos problemas brasileiros: educação moral e cívica, organização política e social. São Paulo, LISA, 1979.
PILETTI, Nelson e PILETTI, Claudino. História da Educação. São Paulo: Ática, 1997.
ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. São Paulo: Globo, 1991.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: (1930/1973). 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1983.
www.prolei.inep.gov.br/prolei/anexo


[1] Mestrando em Educação pela Universidade de Passo Fundo. Formado em Filosofia pela FAFIMC, professor da rede pública Estadual.

[2] ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. p.13.
[3] PALERMO, Alfredo. Estudo dos problemas brasileiros.P.87
[4] COTRIN, Gilberto e PARISI, Mário. Fundamentos da Educação: história e filosofia da educação.p.273.
[5] GADOTTI, Moacir. A educação contra a educação.p.31.
[6] CAMARGO, Enjolras José de Castro. Estudo dos problemas brasileiros. p.176

[7] IDEM.P.173

[8] CAMARGO, Enjolras José de Castro. Estudo dos problemas brasileiros. p.17
[9] ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando: Introdução a Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. Pg255
[10] pg da internet www.prolei.inep.gov.br/prolei/anexo
[11] CAMARGO, Enjolras José de Castro. Estudo dos problemas brasileiros P. 56
[12]IDEM.P. 80
[13]IBIDEM.P.101

[14] PALERMO, Alfredo. Estudo dos problemas brasileiros.P.95-96